Alberte Pagán

APONTAMENTOS SOBRE CINEMA GALEGO

APONTAMENTOS SOBRE

CINEMA GALEGO

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Autobiografia de Peque Varela

Alberte Pagán (Acto de Primavera, 18-10-11)

Nunca cheguei a entender o paradoxo do gato de Schrödinger, aquel que di que um gato encerrado numha caixa opaca cum 50% de possibilidades de ser envenenado está à vez vivo e morto, até que abramos a caixa e o só feito de observarmos o interior faga que o gato se decante por um dos dous estados: ou vivo ou morto. Sempre me custou entender por que nom se pode fazer o experimento cumha caixa transparente que nos permita observar a superposiçom dos dous estados.

No experimento de Schrödinger o gato está morto e vivo a um tempo.

Porém, após ver Gato encerrado, de Peque Varela, todo resulta mais claro. Gato encerrado é esse caixom transparente que nos permite comprender à perfeiçom a simultaneidade do estado “vivo” e o estado “morto”. O que fai Varela é substituír a física cuántica polas políticas sociais, convertendo Gato encerrado numha fábula com mensage, numha parábola política.

A anédota é simples: Um gato do sul, pai de família pobre, ve-se obrigado a emigrar ao norte, mas na fronteira topa-se co impedimento de que só tem 7 vidas, e nom 9 como é a norma no país receptor (curiosamente, comentou Varela durante a apresentaçom dos seus trabalhos no Cineclube de Compostela, os gatos tenhem 9 vidas nos países poderosos: Reino Unido, Israel, EUA). Após muitas solicitudes e burocracias, e outras tantas desventuras que acabam coas suas 7 vidas, o gato remata encerrado numha caixa, morto e vivo a um tempo, morto porque consumiu as suas 7 vidas de orige, e vivo porque está à espera de que se lhe reconheça o seu direito a duas vidas mais. É o que se chama estar num limbo administrativo ou numha terra de ninguém burocrática.

“Cidadania 7” em Gato encerrado.

A idea é brilhante. Com grande simplicidade narrativa (e uns debuxos igualmente singelos, de traços definidos e cores planas), Gato encerrado utiliza a animaçom aparentemente mais infantil para desvelar sutilmente a injustiça das leis migratórias europeas, a xenofóbia e as desigualdades sociais: no berce da socialdemocracia segue a haber discriminaçons raciais, bem reflectidas polos dous tipos de cidadania existentes (“cidadania 7” da gente imigrante e “cidadania 9” dos países do norte), umha image a primeira vista simbólica mas que se ajusta perfectamente ao kafkiano mundo da burocracia, essa máscara da discriminaçom.

1977: “Já es umha mulher.”

Gato encerrado destila sinceridade. Intuímos que Peque Varela, galega emigrada a Inglaterra, está a falar de si mesma. Este aspecto autobiográfico é mais óbvio na sua anterior película, 1977, que toma o título do ano do seu nacimento em terras ferrolás. 1977 é pura autobiografia, desde o nacimento até a madurez, desde o sofrimento causado polas imposiçons sociais, morais e sexistas até a liberaçom final. (Resulta doado entender a própria película como um elemento libertador mais.) Realizada desde o exílio, é um canto nostálgico à terra da sua infáncia, às paisages que conformárom o seu ser, às ruas das que desfrutou e nas que padeceu insultos. Reflicte a um tempo tanto a saudade dos bons momentos como a memória das injustiças, tenhem cabida nela tanto as gaivotas atlánticas como o acidente da ponte das Pias. 1977 é um berro de raiba e umha chamada de atençom sobre a opressom social e a homofóbia. 1977 conta-nos o processo de liberaçom da protagonista (que é fotograficamente a própria Varela), mas é a um tempo ela mesma, a película, umha arma emancipadora. É o seu carácter didáctico o que a achega ao cinema militante.

Gato encerrado é a continuaçom de 1977: superadas as imposiçons sociais e reivindicada com orgulho a sua própria identidade vemos a Peque, agora na pel dum gato, buscando melhor vida num novo país. Mas algo me di que o motivo desse autoexílio nom foi exclussivamente económico e si tivo muito que ver a discriminaçom sofrida por raçons da sua orientaçom sexual. Ironicamente, chegada a umha terra (algo mais) livre de prejuíços (Londres, ponhamos por caso), a nossa protagonista tem que sofrer um novo tipo de discriminaçom co que nom contava.

1977 mistura a image fotográfica coa animaçom.

Mas as películas som muito diferentes: o traço limpo de Gato encerrado resulta por momentos demasiado aséptico, mentres 1977 mostra umha alegre mistura de técnicas, incorporando a image fotográfica (e cinematográfica) num entorno de debuxos animados. Nesse senso 1977 é mais orgánica e mais viva, correspondendo-se cum argumento que sai das vivências mais íntimas, entanto Gato encerrado resulta mais plástica, ao tempo que menos directamente persoal, no seu desenho dum mundo distópico nom afastado do de The Matrix. Se polo tema (parábola social) se achega ao cinema do seu mestre confesso Phil Mulloy, na técnica excessivamente polida afasta-se decididamente del. Ambos despreçam a animaçom da factoria Disney (Peque de palavra, Mulloy de maneira gráfica em Intolerance III, numha simpática cena na que se utiliçam películas de Disney para torturar e fazer confessar aos membros dumha seita), mas Gato encerrado, com toda a sua brilhantez, tem umha textura demasiado impoluta para o tema que trata.

O cinema de Disney como ferramenta de tortura em Intolerance III (Phil Mulloy).

A menor definiçom, a maior “sujidade” de 1977 tem um antecedente na breve Phace, na que de igual jeito se mistura debuxo com fotografia para reflectir, de jeito mais sintético e poético, a loita interna dumha mulher por superar insatisfacçons próprias ou inducidas.

Animaçom e fotografia em Phace.


 
 

Cris Lores, o home da cámara

Alberte Pagán

[publicado nas Follas do Cineclube Compostela o 29-05-13] [PDF]

Cris Lores é um home de cine. Nom só por ser um dos mais competentes projeccionistas do país. Nem por ter um filho chamado Nanuq. Nem tampouco por levar no lombo, tatuadas, as protagonistas de Persona. Cris Lores é un home de cine porque é difícil pensar nel sem associá-lo à cámara que sempre o acompanha; porque filma, experimenta e monta a diário como outros respiramos ou bebemos (o que lhe dá umha esquisita solvência técnica); porque é quem de recuperar um fragmento de celuloide negro, carente de interesse, que eu imaginava guindado no lixo, para reconvertê-lo na intensa 8. E porque, como membro de Urro, a sua música constitui a banda sonora dumha manchea de obras do último cinema galego. O resultado do seu fazer som obras inquietas, irregulares, fragmentárias, persoais, experimentais; mas sobre todo obras vivas e de grande beleza.

Cris Lores por Alberte Pagán

Um dia Cris prestou-me umha cámara de Super 8mm para filmar umha bandeira de Israel que logo pretendíamos “queimar” no projector (para o início de Película urgente por Palestina). Por algum erro técnico, o rolo saiu da cámara tam virge como entrara, agás uns poucos planos que Belén Veleiro rodara com anterioridade. Visto o resultado, e como ato lúdico e didáctico para o filho de Cris, ou quiçá por aburrimento, o neno e mais eu pugémo-nos a rascar e perforar a emulsom negra da película para ver que dava isso na pantalha. Acabada a breve projecçom, esquecim-me da película, que cria no lixo, até que tempo despois vejo-a renascer como a fermosa 8, que tira vida do plástico morto e cores de onde só havia sombras. Em 8 Lores fai coas images rascadas o que pretendíamos fazer inicialmente coa bandeira de Israel: ralentizá-las, queimá-las, distorsioná-las. Mas 8 é umha obra efémera por natureza, porque cada projecçom implica umha perda de “massa muscular”. Tampouco nom tem umha estrutura e umha duraçom fixa, porque para o cineasta-projeccionista cada actuaçom é única: a película original é umha partitura minguante que Lores interpreta de cada vez. Existe o registro videográfico dalgumha destas “interpretaçons” (umha delas sobre as images de Eclipse metanoico no festival (S8)), mas estes sucedáneos nunca poderám substituir a experiência do “directo”.

8 (Cris Lores)

A paulatina e inevitável desapariçom do material de 8 topou um acougo na acertadamente titulada Alzheimer (2013, 8’). A música de Urro dá-lhe um toque de inquietude à beleza dumhas images que surgem do celuloide que se destrue: o material desaparece para produzir essas cores intensas que o acabarám imortalizando. Como as fotografias de (nostalgia) (Frampton), que ardem e se perdem para sempre ante os nossos olhos ao tempo que ficam registradas e imortalizadas na película.

Nom desvelo nengum segredo quando me permito falar de Cris, a persoa, e da sua vida persoal e familiar, dos seus filhos e da sua companheira, porque quem conheça a sua obra constatará que formam parte do seu universo cinematográfico. Em Pornostar, por exemplo, podemos ver o nascimento de Nanuq. O cinema de Lores tem muito de diarístico, doméstico, persoal e familiar, mas nom no sentido romántico e mítico dum, por exemplo, Stan Brakhage (outro filmador de partos), senom por necessidade ou, melhor, por ecologia: Lores recolhe images do próximo e conhecido, filma e grava o que tem a mao, acumula images do cercám, para logo construir as suas peças com esse material, para dar-lhe um toque de inquietude e estranheza ao doméstico, trate-se dumha ponte em Pontevedra ou da celulosa de Marim, dum moinho de vento ou da praia e as nuves.

Som duas as tendências gerais do cinema de Lores: Por umha banda estám essas películas “acabadas”, cos seus títulos e os seus créditos, coas interpretaçons ou presenças das suas atrizes e atores, que ilustram umha narraçom, um texto poético-filosófico ou umha idea (O zoqueiro maldito, Dos somos dos, Nueve). Por outra banda temos esses fragmentos, anacos, retrincos, apontamentos plásticos, improvisaçons e experimentaçons técnicas, sem título interno, sem créditos nem dataçons, sem princípio nem fim, sem presença humana, que quiçá sejam o melhor da sua produçom (Sombrarrotes, Viran2, Ventana).

Nueve (2007, 16’) é umha peculiar sinfonia urbana que se transforma em drama persoal. As images de exclussom social que pontuam o início da película dam passo ao desespero vital dum trio de personages. Tres vozes recitam e repitem um texto poético-filosófico que tem muito de despedida (“Nom me esperes”). As images em branco e negro acolhem subpantalhas a cor que fragmentam e duplicam o espaço; as palavras repetem-se polifonicamente (e reaparecem em forma de escritura), os gestos repetem-se, as mesmas caras reaparecem umha e outra vez. E a voz, as vozes, deixam entrever a sua artificialidade: os titubeos, os “Vou repetê-lo”, os “Começo desde o princípio?” mantenhem-se na montage final. O tempo, tema recorrente do texto oral, inasível e sempre fugidio, encarna-se e concretiza-se nas images aceleradas. As tres personages contemplam o solpór, talvez conscientes, dentro do desespero, de que o sol se pom para volver sair ao dia seguinte.

Mas a presença humana, e com ela o substrato diarístico, sempre acaba coando-se mesmo nos seus experimentos mais formais. Em LimpaParaBrisas ouvimos as vozes das crianças, que lhe dam um matiz doméstico e familiar ao que nom deixa de ser um frio exercício formal. LimpaParaBrisas (2012, 4’) lembra-me umha película muda da británica Jenny Okun, London-Cape Wrath-London (1978, 10′), na que a cámara, desde o interior dum coche em marcha, enquadra a paisage que rodea a estrada pola que circula. É a actividade dos limpa-pára-brisas (sempre funcionando) a que crea a dialéctica quietude-movimento. A película está formada por umha sucessom de breves planos que ilustram a viage entre as duas localidades do título (ida e volta, o que nos lembra o movimento do limpa). Cada plano dura dous movimentos completos do limpa-pára-brisas, pero nom sempre duram o mesmo, porque a velocidade do limpa varia; ainda assi, a força visual do movimento unifica o ritmo, de igual jeito que a sua continuidade serve de enlace entre planos diferentes: a paisage exterior varia com cada corte. Num momento dado o coche fica parado durante uns segundos ante a janela dumha casa; a image exterior fica fija, congelada como umha fotografia: o tempo, marcado polo limpa-pára-brisas, congela-se e congela o espaço. Nalgum momento o corte apenas é perceptível, é dizer, a paisage exterior nom cámbia, porque, adivinhamos despois, o veículo está montado num transbordador, polo que o intervalo temporal entre um plano e o seguinte nom afecta à paisage. O movimento da paisage, como os limpas, varía, dependendo da sua cercania ou distáncia com respeito ao carro. E por último, como na peça de Lores, a presença animal coa-se na image através do retrovisor, que deixa ver a parte superior da cabeça da condutora, e da intromissom dumha cadela ante o pára-brisas numha das secçons.

LimpaParaBrisas tamém lembra a cubista Seeing in the Rain (1981, 10’), do canadiano Chris Gallagher: cámara frontal desde o interior dum trólebus que circula polas ruas de Vancouver um dia de chuva; um só limpa-pára-brisas abanea ritmicamente, agás nas paradas, nas que siluetas de passageiros entorpecem o panorama e o limpa semelha querer deter-se. Pronto esta premissa realista se complica: Gallagher introduz cortes que provocam saltos imprevistos na paisage frontal que até certo ponto passam desapercebidos porque o limpa, impertérrito, mantém a continuidade do seu movimento. Os saltos fam-se mais radicais: com cada golpe de limpa-pára-brisas vemos umha estrada nova, e a alternáncia de rúas crea um ritmo sonoro. Os saltos podem provocar que o trólebus avance e retroceda, sem mover-se do sítio como um disco raiado; ou fazer retroceder o veículo, um salto adiante e dous atrás, no final da película. O som é sincrónico, mas num momento dado os ruídos de fondo desaparecem deixando só o golpe seco do limpa, que realmente é o som dum metrónomo; despois, siléncio; e ao final, mentres mais pasageiras sobem numha parada, volve o som ambiente: “Vai à Rua Principal?”

A película de Lores mantém a mesma posiçom de cámara, mas em vez de segmentar a viage em períodos de um ou dous movimentos de limpa-pára-brisas o que fai é intentar congelar o movimento do mesmo. Missom impossível: os braços tremem no pára-brisas sem acougar numha possiçom fixa, e movem-se polo vidro a saltos, ou sobem continuamente sem nunca baixar, ou baixam em bucle sem subir. O que fijo o cineasta foi eliminar fotogramas, polo que se acelera o movimento por esta autoestrada portuguesa e pola sua paisage chuvosa (“Com chuva, modere a velocidade”, di um sinal luminoso). Naqueles breves momentos nos que Lores deixa que o braço se mova co seu movimento natural, o coche, a estrada e a paisage parecem querer deter-se de repente: é o limpa-pára-brisas o que lhe proporciona velocidade ao percorrido, em proporçom inversa: quanto mais quieto está (quantos mais fotogramas se eliminárom), mais avanza o veículo.

Ventana (Cris Lores)


Movimentos rotatórios

Ventana (2011, 1’20’’) é um breve exercício formal no que Lores volta a jogar coa temporalidade. Rodada cumha pequena cámara pousada no mecanismo giratório dum relógio, o enquadre recolhe fragmentos dumha fiestra pontevedresa, as nuves correndo polo ceo e as fachadas das casas de enfrente. Som dous os movimentos que Lores conjuga aqui: por umha banda, as images estám aceleradas (e o tempo, por tanto, comprimido); e por outra, a cámara gira duas voltas completas em sentido horário, co acompanhamento de vozes foráneas e ruídos na banda sonora. Mas há umha terceira temporalidade que pode passar desapercebida: a segunda volta nom é umha segunda hora de rodage, senom que é a primeira repetida em bucle. Movimento giratório, aceleraçom e repetiçom unem-se ao ligeiro gram angular da cámara para a criaçom desta pequena janela na que a fixidez do ponto de vista convive dialecticamente coa rotaçom da cámara e o rápido passar das nuves.

Se há umha película essencialmente lúdica, simpática e livre na história do cinema experimental, essa é Selbstschüsse (Lutz Mommartz, 1967). O cineasta sai ao campo coa sua cámara e filma-se a si mesmo desde todas as possiçons, movendo a cámara arredor do seu corpo. A relaçom entre cámara e cineasta passa por diferentes etapas: a banda sonora sugire umha corrida de touros, umha relaçom amorosa, e num momento dado o home tem que escapar dumha cámara que lhe “dispara” como se fosse pistola. Nos minutos finais Mommartz tira a cámara a ar e a recolhe várias vezes, numha celebraçom da liberdade criativa. Lores fai algo semelhante na sua Virando (2010, 30’’): guinda a sua pequena cámara gram angular ao ar para recolher as paisages curvas e rotatórias da beira do mar. Quando ao final a cámara cai à água, Lores e o seu filho assomam-se ao quadro brevemente, intrigados. Viran2 (2010, 20’’) é umha versom concentrada: perde-se o lirismo da visom aérea para converter a paisage numhas linhas abstractas que a banda sonora converte em metáfora das aspas dum helicóptero. Se há presença humana, esta é completamente subliminal.

Viran2 (Cris Lores)

A relaçom entre Virando e Viran2 é a mesma que pode haver entre Corpi in movimento 2 (2012, 15’) e Corpi in movimento Due (2012, 2’). A primeira (que a sua vez é a continuaçom de Corpi in movimento [2010, 11’], na que a gente caminha cara atrás polas ruas de Pontevedra) é um relógio humano que anda ao revés: duas mulheres entrelaçam os seus corpos espidos mentres giram sobre fundo negro em sentido anti-horário (é o mesmo movimento de Virando e Ventana). Ouvimos o pausado tiquetaque dum relógio. Na versom Due o tempo acelera-se e comprime-se: o tiquetaque acelera-se, os corpos, agora girando em sentido horário, superponhem-se e multiplicam-se e abstraem-se até o ponto que, se desconhecemos a versom anterior, resulta difícil identificar a image. Mas isso nom impide, semom todo o contrário, que construamos na nossa imaginaçom umha seqüência de animais vários (coelhos brancos, aves peteirando) a partir da branca carne das actrices.

A fragmentaçom do espaço

No cinema de Lores o tempo acelera-se ou inverte-se e o espaço curva-se (polo efeito do gram angular). O próprio espaço interno da pantalha pode chegar a dividir-se em múltiplas sub-pantalhas. Um fermoso exemplo desta fragmentaçom é See the Sea (2012, 4’): umha paisage marina, filmada em diagonal, ao princípio apenas deixa delatar a meia dúzia de peças da que está composta. As ondas achegam-se à cámara, que parece flutuar sobre a água, e num momento dado a derrubam, criando um enquadre cumha diagonal mais pronunciada. Mas este enquadre acidental só ocupa a parte superior direita da pantalha, desde onde convive cos outros enquadres, que seguem a maner umha enganosa continuidade espacial.

Ponte quieta (2010, 19’) e Cielulosas (2010, 16’) som duas paisages, urbana e industrial respectivamente, nas que Lores manipula o espaço e a temporalidade dum jeito mais sutil. A primeira consta de várias cenas com diferentes enfoques sobre o mesmo objecto: a Ponte do Burgo pontevedresa ao longo do dia e adentrando-se na noite. Primeiro vemos como a parte inferior da pantalla tem umha temporalidade diferente da superior. Despois a pantalha divide-se em tres fragmentos, o inferior cum mar impossível, que nom se corresponde coa paisage que soporta (as ondas, mais cercás; os reflexos, inapropriados; mesmo um mergulhador sai do mar como monstro gigante); o superior dividido em dous, especularmente: mas se o espaço é especular, nom assi o tempo, porque o tráfico da ponte difere a direita e a esquerda. O espaço ainda se complica mais quando vemos umha gaivota atravessando o ceu e delatando um quarto espaço superior independente dos outros. Noutras cenas as temporalidades avançam e retrocedem e os peons que transitam pola ponte partem-se em dous, desvelando a técnica empregada polo cineasta.

Cielulosas (Cris Lores)

Cielulosas explora os mesmos desequilíbrios espaciais e temporais que Ponte quieta, agora coa celulosa de Louriçám como protagonista. A voz do NO-DO introdutória explicita o enfoque histórico e político da película; mas despois dela só fica o som ambiente e as images da fábrica e os seus fumes: crítica ecológica puramente visual.

Os títulos das películas de Lores adoitam ser jogos de palavras que lhes dam um toque de humor. Humor verbal e visual co que Lores se achega ao espírito do británico John Smith.

[As películas de Cris Lores estám disponíveis na sua conta de Vimeo.]
 
 


David Castro: Olhadas de esguelho / O irreal à volta da esquina

Alberte Pagán

[publicado nas Follas do Cineclube Compostela o 16-10-13] [PDF]

Em 2010, na (S8) 1ª Mostra de Cinema Periférico, compartim sessom com David Castro e o seu Mougás (2010, 15’). A olhada de esguelho do cineasta surpendera-me agradavelmente, umha mirada mui pertinente para o tipo de evento e para a classe de cinema que os ali presentes praticávamos: olhada periférica, paisagística, com medo a mirar de frente aos olhos da gente; fragmentada, tremente, inqueda, imperfecta, desenfocada, fugidia. Era umha mirada que compartíamos o Laxe de As chimeneas decidiron escapar (2006), os meus retrincos em 16mm (1996) e o Mougás de Castro, todos presentes naquela sessom.

Mougás (David Castro)

Em Mougás Castro consegue o reto de filmar a Rapa das Bestas epónima sem mostrar os animais. Desde fora, desde antes, desde longe, os arredores do curro mostram-se durante as preparaçons; e remata a película coa primeira image concisa do curro, já baleiro de gentes e animais. Polo meio temos detalhes de fentos, folhas de eucalipto, ceus, ervas, troncos de pinheiros, e gentes que se fam presentes primeiro na banda sonora e logo em planos gerais: figuras perdidas na paisage. Porém, transmite-se diafanamente o ambiente romeiro, adereçado com algum rincho distante. Vemos detalhes de lumes e churrascos, mas som mais freqüentes os bancos e as mesas baleiras, as roupas abandonadas na erva: indícios da presença da gente, mas nom a gente em si. De momento: porque pouco a pouco parece que os rostos (nom mais de meia dúzia) dos aloitadores e do público conseguem integrar-se no relato.

E as bestas? Sabemos que estám aí, sentimos a sua presença: umha sombra, um casco desfazendo a erva. Num intenso plano Castro enquadra a parede oposta do curro mentres umha manda de cavalos, desenfocada e convertida em varrido abstracto, cruza por diante da cámara. Mas desseguida a cámara se ergue para enquadrar ceus e nuves ou desce para mostrar a erva e as flores destroçadas entre as patas dos animais.

Mougás contém outro fio narrativo paralelo e mais explícito: buscando polas e folhas que lhe permitam obviar a cerimônia, a cámara tropeça coa figura dumha rapaza que, desde o outro lado do muro, fotografa o espectáculo. A partir de entom a cámara de Castro buscará-a entre a gente, entre os ruídos e os rinchos. Num sostido plano da mulher, ela busca enquadres através do objectivo da cámara: num momento dado semelha deter-se em nós, é dizer, no objectivo da cámara de Castro. Mas umha adivinhada cabeça de cavalo, objecto de desejo da fotógrafa, interpom-se entre eles: a rapa está a ter lugar no lugar entre os seus corpos; esse é o espectáculo real; todo o demais é periférico.

Theremin azulexo (David Castro)

Em Theremin Azulexo (2010, 13’), subvencionada pola Agadic, tamém está ausente a figura humana, exceptuando as images roubadas de Leon Theremin e o grupo de visitantes ao faro do Roncudo do último plano, visto desde a distância. E, significativamente, um breve inserto em b/n dum primeiro plano dum home coa cara oculta tras um azulejo branco. Mesmo as fachadas azulejadas das casas costeiras rara vez som mostradas frontalmente: assomam na parte inferior do quadro no primeiro plano; mostram-se fragmentadas, quiçá somente insinuando-se à beira dumha calçada ou umha beira-rua igualmente quadriculada. Em certo plano si se mostra umha fachada frontalmente durante longo tempo, quiçá para fazer rimar os azulejos que a cobrem coas janelas quadrangulares. Mas a cámara, incómoda ante este inusual fitar, abanea nervosamente a um e outro lado. Umha embarcaçom de salvamento marítimo aparece duas vezes, a primeira através dum enreixado quadriculado que funciona como azulejo simbólico.

O theremin aparece num plano de detalhe que nos impede identificá-lo a primeira vista. Quando umha mao o monta surprende-nos o seu relativamente pequeno tamanho. Umha mulher leva o instrumento para pousá-lo no caminho. Os créditos semelham pór fim à película, mas numha curiosa coda Castro mostra-nos um pequeno faro cilíndrico, coberto de azulejos, em vários planos inquedos. Mas nos dous últimos minutos a cámara enquadra o faro, num plano fixo e distante, ao que se achega um grupo de visitantes. A rampa de accesso e a torre lembram-nos a forma horizontal e a antena vertical do theremin. Daquela, som as persoas que passeam pola rampa as que estám a tocar a música que ouvimos? O irreal à volta da esquina, como reza a cita de Ernst Bloch coa que empeça a película.

Irreal tamém resulta a paisage urbana de Alterké (2013, 5’): as figuras humanas esvaem-se na distância, e quando a cámara se achega a elas é para fragmentá-las —como se fragmentava o espaço de Theremin Azulexo—, evitando a toda costa a identificaçom facial. O plano único e fixo de Dominó e non (2013, 3’) recolhe o tráfico que passa por diante dumha marquesinha rural, o mar ao fundo. A presença humana, à parte dos invisíveis condutores dos veículos, reduze-se às intermitentes vozes dos homes que jogam ao dominó, nom sabemos se no espaço de detrás da cámara (som directo?) ou num tempo e um lugar alheos à paisage da pantalha. O irreal à volta da esquina.

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