Alberte Pagán

A Nosa Terra

Artigos publicados n’A Nosa Terra

(2005-2010)

Cinema no museu [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1180, 16-22 junho 2005)

Já desde o seu nacimento perseguiu o cinema o seu status como arte, irremediavelmente perdido nas fauces do mercado do entretenimento. O cinema naceu co pecado original duns custos de produçom demasiado elevados, obrigado portanto a umha recuperaçom dos mesmos na bilheteira em prejuízo da qualidade e em benefício dumha excessiva codificaçom do modelo. Fóra (do mercado) fica qualquer intento de cinema nom narrativo, abstracto, persoal, caótico, livre…Mas basta (às vezes, nalgures) sair-se da sala de cinema para encontrarmo-nos coas images que buscamos, aquelas que intentan romper co que Peter Watkins (do que pudemos ver um ciclo no CGAI corunhês a princípios de ano) chama a “Monoforma”, aquelas afastadas da codificaçom do cinema industrial e, em conseqüência, próximas ao que se conhece como cinema experimental. É no campo experimental onde tiverom cabida os projectos audiovisuais que mais luitarom polo cinema como arte, onde artistas de outras disciplinas, em tantos casos completamente alheios e alheias à tradiçom e história cinematográficas (nas antípodas da cinefília dumha, por exemplo, Nouvelle Vague), lhe injectarom sangue novo. Temos assi as películas dum músico como Tony Conrad, dum escultor como Michael Snow ou de pintores como Carolee Schneemann, Marcel Duchamp ou Fernand Léger. Este tipo de cinema encontrou no museu um espaço natural de exibiçom, até o ponto de que cineastas como Liz Rhodes estream a sua obra na Tate Gallery em vez de no West End londinense.

Assincronias no CGAC

E foi no museu onde pudem descobrir excelentes mostras de estruturalismo. Dentro da colecçom Point of View surprendem tres películas, todas de 2003: Time after Time (Anri Sala), na que a noite e os desenfoques obliteram a image dum espectral cavalo imóvel na beira dumha estrada; I Jedi (Devil’s Tower), na que Pierre Huyghe rouba um plano de Star Wars para congelá-lo, mas ocultando baixo umha máscara negra a metade direita da pantalha; e a excelente Blind Spot, na que Gary Hill utiliza um breve fragmento rodado numha rua, mas separando os fotogramas com espaços em negro de longitude crecente, de jeito que o que empeza sendo umha cena ralentizada acaba convertendo-se numha pantalha negra (até 20 segundos sem image) na que se insirem fotogramas espaçados dum rosto, cada vez mais separados entre si no tempo, mas sempre contíguos na acçom.

De menor interesse som as exposiçons de Christian Jankowski e a película de Bjørn Melhus Auto Center Drive, mas ambas compartem um criativo uso da assincronia, desligando a image do som, apropriando-se de sons roubados para aplicar-lhos a images que nom lhes correspondem ou desvirtuando a image por meio da utilizaçom de sons que reconhecemos de outra procedência. Do primeiro destaca o vídeo musical Nadie mejor que tú (2005), feito para a cantante Fangoria, no que a reconhecível voz de esta surge dos lábios de Marta Sánchez, facendo conviver, por meio deste jogo conceptual, dous estilos musicais muito diferentes. Auto Center Drive propom umha peculiar narraçom utlizando voces (e cançons) de James Dean, Elvis, Judy Garland, Marilyn Monroe, Jim Morrison e Janis Joplin, aplicadas a umha série de personages sempre interpretadas, tanto as masculinas como as femininas, polo próprio cineasta. Fica ferido assi o realismo a favor dumha explosom múltipla de significados cruzados muito sugestiva. É a mesma técnica que pudemos ver em “Din que chove”, incluída na colectiva e nom orçada Hai que botalos!.

[Point of View pudo-se ver em abril e maio passados, a exposiçom de Jankowski remata o 12 de junho e a de Melhus o 11 de julho, no CGAC compostelám.]




Desmarques [PDF]

Alberte Pagán, Xis Costa (ANT 1191, 29-09-05 ao 5-10-05)

É a olhada (o marco) a que cria a obra de arte. Aquela fermosa mancha producida pola humidade na parede só se poderá converter em arte umha vez emarcada. A roda de bicicleta transforma-se em objecto artístico umha vez colocada no museu (Duchamp). O marco define o quadro, mas tamém o encerra e limita. Nom é de estranhar, pois, a pretensom de superá-lo, de desbordá-lo, de fazer saltar a image além del sobre a parede, de modificá-lo e transformá-lo e mesmo suprimi-lo. Para liberar o contido.

As máscaras e íris utilizados desde que o cine é cine nom pretendiam outra cousa que adaptar o marco às necessidades da image. A sugestom de Peter Kubelka de projectar o seu Arnulf Rainer desenfocado nom aspirava a mais que a esvair os bordos da pantalha, da que Anthony McCall consegue prescindir em Line Describing a Cone. E quando Marcel Broodhaerst projecta Le corbeau et le renard sobre umha superfície com textos, converte estes em parte ineludível da película, desvirtuando o papel histórico da pantalha como superfície branca meramente receptora.

Zilla Leutenegger

Um par das tres Fumadoras de Leutenegger continuam o vieiro marcado por Broodhaerst, fazendo partícipe à pantalha (sobre a que se colou um papel pintado adaptado à figura) do processo cinematográfico. Os vídeos-debuxos-instalaçons da artista suíça transitam polos formatos. Singelamente, sem espectacularidade. Vídeos minimalistas debuxados que saem dos límites da pantalha adentrando-se na terceira dimensom da sala. Debuxos recortados e colados, projectados no papel da parede. Pantalha emascarada que substitue o rectángulo por umha linha ondulada. O monitor girado para obter umha composiçom vertical. Rompe as proporçons normativas, o estatismo dos debuxos, a dureza dos bordos que, convencionalmente, delimitam as images fabricadas.

E esta reflexiva actividade de jogar debuxando, de jogar recortando, de desconchar coas unhas a pintura das paredes, permite gozar da materialidade das cousas. Como gozábamos nós as primeiras tardes na casa, despois dum longo verao de sol, vento e sal, forrando os novos livros. Setembro.

E se os vídeos-debuxos de Leutenegger som o suficientemente sugestivos, botamos de menos, postos a romper fronteiras, as suas vídeo-arquitecturas, nas que a image em movimento colabora em igualdade de condiçons co debuxo e a arquitectura na criaçom do espaço artístico.

Ann-Sofi Sidén

3MPH (Horse to Rocket), da sueca Sidén, saca-nos do quarto privado para levar-nos de passeio, a cavalo, e à velocidade indicada polo título, polos espaços rurais dos EUA, nos que a precariedade da populaçom imigrante convive cos avances tecnológicos espaciais. Sidén retoma a batalha contra a ditadura do marco desde um novedoso ponto de vista. Se bem as cinco pantalhas que emprega remitem a experimentos anteriores (Warhol), a videasta consegue traspassar as estremas verticais que as separam/unem aplicando um movimento de traslaçom, de direita a esquerda, a todas as images. O primeiro plano surge, portanto, do extremo direito do mural. O plano, nunca fixo, só pode encaixar nas pantalhas durante umhas décimas de segundo. Alguns planos tenhem umha vida de cinco pantalhas. Outros nom duram mais que umha. Alguns ocupam duas pantalhas. A maioria só umha. Alguns nacem na primeira pantalha. Outros entre pantalhas, reaparecendo pola direita, convertendo o mural num espaço circular. Como o mundo.

Podemos ter, assi, desde 4 até 7 images diferentes diante nossa. Sempre móveis. Às vezes conxugando o movimento de traslaçom (que mesmo parece dar-lhe vida a essas fotos fixas de camions ou caravanas) cumha panorámica, criando umha multiplicidade de movimentos muito sugerente. Porque de pronto os movimentos se anulam mutuamente e o veículo que avanza perseguido por umha cámara veloz mantém-se, contraditoriamente, fixo no interior da pantalha.

Cavalo e foguete espacial, erva e tecnologia, estatismo (pantalhas) e movimento (planos), estatismo (foto fixa) e movimento (panorámicas), uniformidade (viage) e variedade (encontros), uniformidade (movimento lateral) e variedade (cortes, fundidos, cambios). Todo baixo o constante, rítmico e hipnótico som dos cascos da besta.

[The Smokers e Lessons I Learned from Rocky I to Rocky III, de Zilla Leutenegger, e 3MPH (Horse to Rocket), de Ann-Sofi Sidén, no CGAC compostelano até outubro.]




Ouveos por Guy Debord [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1204, 39-12-05 ao 4-01-06)

Finalmente! Tantos anos ouvindo falar do cinema (invisível) de Debord, conseguindo traduçons mediocres da banda de som das suas películas (retiradas da circulaçom em 1984), traducindo mediocremente os seus guions, contemplando ilustraçons e fotogramas borrosos… Mas nengum texto pode substituir a película (contraste-se a versom livro coa versom película d’A Sociedade do espectáculo), e o cinema de Debord seguia fugidio e inapreensível. Tanto tempo, finalmente, visionando umha má cópia em VHS, conseguida através dalgum amigo dum amigo, dumha má restauraçom feita para o festival de Veneza de 2001: que decepçom comprovar a ausência dos subtítulos, incluídos nos guions como contraponto da voz e a estas alturas já aprendidos de memória, em Critique de la séparation, em La Société du spectacle, em Réfutation de tous les jugements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici porté sur le film “la Société du spectacle”; que decepçom encontrar-se com que os 24 minutos de pantalha negra e silêncio cos que remata Hurlements en faveur de Sade ficarom reducidos a 16 e, incomprensivelmente, tingidos de branco após meia dúzia de minutos.

Finalmente, agora, reedita-se a obra cinematográfica completa de Debord e, felizmente para os que habitamos na periféria cultural, sai a versom em DVD (que a V.O. nom moleste: abondam traduçons dos guions na Rede) fermosamente editada por Gaumont-Columbia Tristar.

As seis películas de Debord (mais o par de anúncios, esteticamente independentes, feitos para duas delas), realizadas entre 1952 e 1978, constituem um todo de asombrosa coerência estética, ética e política. A primeira, a mais radical, Hurlements…, prescinde da image: a pantalha fica branca entanto ouvimos um seudo-diálogo de frases roubadas, detournées, poéticas como as das suas Mémoires, e volve-se preta co silêncio. Esta ausência de images precede, e diferencia-se de, a estruturalista Arnulf Rainer (Kubelka) e a estroboscópica The Flicker (Conrad). A pantalha branca ou negra de Hurlements… citará-se repetidamente no resto da sua obra, mas em In girum imus nocte et consumimur igni a cita será literal, reproducindo-se pantalha branca e texto simultáneo: (auto)apropriaçom dum texto apropriado (albiscamos certas semelhanças com Straub e Huillet). A primeira oraçom de In girum… pom-nos sobre aviso: “Nom vou fazer nengumha concessom ao público”; e cara ao final desta sua derradeira película, ante umha nova pantalha branca, um intertítulo funciona como necrológica do cinema: “E aqui o espectador, privado de todo, será tamém privado de images.”

No cinema de Debord convive poesia com política, filosofia com crítica cinematográfica, memórias com história, nostálgia com análise, amor com crónica. Se a lúcida e profética análise d’A sociedade do espectáculo (livro) devém película, enriquecendo-se coas images (ou ausência delas), multiplicando-se os significados, In girum… será o borrador do seu Panégyric. As mesmas images repetem-se numha e noutra película, a mesma dúzia de fotos de situacionistas, de amantes, de arquitecturas; as mesmas vinhetas; as mesmas cenas de películas apropriadas, detournées: Johnny Guitar, Rio Grande, A carga da brigada ligeira, em branco e negro e dobradas ao francês. Ou sem diálogos. Nom importam. Como nom importa a qualidade técnica. Só importa a image, a referência, transformada, desviada para uso persoal.

Debord parte de cero na história do cinema, como fará Andy Warhol, com cuja arte comparte a re-utilizaçom de bandas desenhadas e de propaganda publicitária. Os numerosos anúncios de Réfutation… imitarám os de Soap Opera (Warhol). Debord como predecesor da arte pop.

O détournement debordiano, por meio do qual buscamos o significado real que as palavras e as images agacham, semelha-se aos cut-ups de Burroughs e Gysin. Umha mençom ao “Velho da Montanha” em In girum…, ao seu lema “Nada é verdade, todo está permitido”, parece confirmar o parentesco.

As penúltimas palavras da obra cinematográfica de Debord, “nom haverá para mim retorno nem reconciliaçom”, remitem a Straub através de Brecht (Nom reconciliados, ou Só a violência serve onde a violência reina).


[Podedes ver fragmentos das suas películas aqui]




Peter Kubelka e a vanguarda austríaca [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1219, 20-26 abril 2006)

O cinema experimental austríaco tem a fortuna de contar com divulgadores da talha de Peter Kubelka, co-fundador do Museu do Cinema de Viena, e de Peter Tscherkassky, um dos criadores da distribuidora SixPack Film. Este último visitara o CGAI corunhês em abril de 1993 com o ciclo “Cinema de Vanguarda em Áustria” baixo o braço. Trece anos despois SixPack Film introduce de novo a experimentaçom no ciclo que o CGAI dedicou ao cinema austríaco este março passado. Som muitas e muito interessantes as propostas cinematográficas da vanguarda austriaca desta última década, entre elas as do próprio Tscherkassky, quem com a súa “Trilogia em Cinemascope” (na que convivem experimentaçom e espectáculo) e com as suas Instructions for a Light and Sound Machine demostrou ser um extraordinário cineasta. Tamém tivemos ocasiom de ver a penúltima película (49/95 tausendjahrekino) do já desaparecido Kurt Kren, um dos pais, junto com Kubelka, do cinema estrutural.

Mas a auténtica estrela do ciclo, da que pudemos desfrutar a meia dúzia de persoas presente na sala, foi a estrea da última película de Kubelka (realizada 26 anos despois da súa película anterior), Dichtung und Wahrheit (Poesia e verdade, 2003), 13 minutos de cinema concentrado nos que o cineasta austríaco acode por vez primeira a material pre-existente para a construçom do seu artefacto. A orige da metrage está em descartes duns poucos anúncios publicitários que Kubelka agrupa em 10 seqüências. As mesmas cenas repetem-se umha e outra vez, algumha tres vezes (um caldeiro azul que se ilumina desde o interior, um plato de pasta), outras até vinte vezes (umha modelo prova um bombom até à saciedade). Mas pronto nos decatamos de que nom estamos ante umha montage em bucle (estilema característico do cinema estrutural), senom ante tomas diferentes nas que actores e actrices ham de interpretar umhas reacçons cuja naturalidade morre na reiteraçom: o sorriso cálido e maternal dumha modelo, cujo rosto se ilumina antes de erguer a vista para olhar a cámara, transforma-se em arrepiante carantonha. A superfície lustrosa da publicidade, a felicidade das famílias representadas e a perfecçom dos rostos agacham um mundo horripilante e inumano que a película de Kubelka desvela.

Os produtos publicitados na muda Dichtung und Wahrheit agacham umha narrativa: o acondicionador de cabelo levanta a auto-estima da personage masculina (que se peitea ante um espelho), mentres a mulher se deixa seducir oralmente por um bombom; o resultado socialmente previsto de tal encontro é a familia (mai, filha e boneca sorridentes; cam; produtos de limpeza) que precisam dum fogar para o que cumpre um bom verniz e um bom prato de pasta. O preocupante resultado de todas estas convençons sociais e estéticas é a nena da seqüência final que mexe o berce da boneca cumha seriedade desumanizada, ela mesma convertida em monicreque.

Nom choca esta utilizaçom da publicidade no cinema de Kubelka, se lembramos que as suas películas mais reconhecidas, Adebar (1957) e Schwechater (1958), nacerom como encargos publicitários para um salom de baile e umha marca de cerveja, respeitivamente. Com Arnulf Rainer (1960) completaria a sua trilogia de “cinema métrico”, na que trabalhou fotograma a fotograma buscando os significados agachados tras o nervo que separa um quadro do seguinte. Arnulf Rainer ia ser um retrato do pintor vienês que lhe dá nome, mas rematou sendo umha película sem images. Rainer terá que esperar até Pause! (1977) para ver-se retratado polo seu amigo cineasta.

Unsere Afrikareise (1966), que segue o estilo “metafórico” da súa primeira película Mosaik im Vertrauen (1955), retratava a viage dum grupo de europeus a África. Apesar de estar construída com images próprias, Unsere Afrikareise antecipa Dichtung und Wahrheit na sua velada crítica social. Ambas riscam na polida superfície das images até descobrir todo o horror que se agacha tras elas, Unsere Afrikareise usando um som desincronizado como ferramenta, Dichtung und Wahrheit, polo contrário, prescindindo do comentário para deixar as images orfas de sentido, espidas e vulneráveis, reais, como nunca o serám numha pantalha de televisom.

[Desacougos. Cine austríaco 1994-2005 pudo-se ver no CGAI corunhês em março de 2006.]



Os jogos cinematográficos de Julio Cortázar [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1240, 19-25 outubro 2006)

As películas domésticas de Julio Cortázar asemelham-se às de Eugenio Granell: as mesmas reunións familiares, a mesma ausência de trípode, o mesmo registro de viages, os mesmos jogos dos autores diante da cámara, as mesmas contemplaçons poéticas e o mesmo autorretrato reflectido num espelho. Mas isto nom é dizer grande cousa, porque em definitiva todas as películas domésticas se parecem. O que pode resultar mais surprendente som as similitudes estéticas entre as filmaçons familiares e os tropos e rasgos estilísticos do cinema diarístico experimental (veja-se a obra de Marie Menken, Stan Brakhage ou Jonas Mekas e compare-se). Em muitos casos, a única diferença entre cine doméstico e experimentaçom é a intencionalidade. A recuperaçom do cinema de Cortázar que o CGAI levou a cabo (como antes fixera com o de Granell) justificaria-se, pois, nestes termos. Os planos mais líricos do escritor delatam umha deliberaçom plástica. Os erros técnicos e accidentes (desenfoques, excessivo tremor da cámara…) podem converter-se doadamente em elementos estéticos para um olho treinado (ou, como diria Brakhage, para um olho puro, “nom treinado”, nom contaminado pola Académia). Temos um fermoso exemplo de estetizaçom “a posteriori” em Les Glaneurs et la Glaneuse (Agnès Varda), na que a autora recupera umhas images do chao, tomadas accidentalmente mentres a cámara lhe pendurava do ombro, e as converte no plano mais longo e sostido da película.

As duas horas de filmaçons cortazarianas depositadas no CGAI incluem bobinas (de súper 8mm) agrupadas baixo o genérico “INDIA”, “1969” e “UGANDA”, assi como rolos mais breves (de entre 1 e 3 minutos de duraçom) com títulos tam sugestivos como “D’étranges signes avant-coureurs” (com movimento giratório da cámara sobre um monolito), “En ces temps-là tout allait bien – les gens menaient leur petite vie” e “Mars, le dieu de la guerre, déguisé en Neptune” (meditaçons contemplativas sobre o pátio do vizindário parisiense no que o escritor morava), “Tout ce qui restait du bunker d’Hitler en Pologne” e “Les fleuves dégelaient en plein centre de Rio de Janeiro” (rótulos directamente denotativos). Em quanto ao contido, o mais abundante som as images das suas viages pola India (Dehli, Agra, Khajuraho…) e Uganda. À parte da pequena secuencia vizinhal mencionada, que nom precisa de depuraçom nengumha para poder ser apreçada como objecto cinematográfico independente, o mais interessante som umha serie de planos poéticos encontrados ao interior da bobina titulada “1969”: primeiros planos de insectos variados, detalhes de plantas e flores, reflexos, texturas e abstracçons cromáticas seguramente accidentais.

O cinema de Cortázar fai-se público agora organizado em quatro secçons: Ritos recolhe as viages índicas, incluindo umha visita a Octavio Paz como embaixador de México; Pasajes recompila o resto das viages por Europa, África e América; Juegos ilustra o comportamento mais lúdico do escritor e a sua companheira Carol Dunlop; e Étranges signes, petites vies, a mais atraente das selecçons, cinematograficamente falando, mostra o Cortázar mais criativo, aquel que, postumamente, e como um jogo mais, parece pretender o ingreso na história do cinema experimental (história, polo demais, que o escritor, na sua vasta cultura, nom podia menos que conhecer: assomemo-nos, para confirmar a suspeita, à intervençom de Oliveira no capítulo 63 de Rayuela: “Vejo toda classe de fosforescências, parece umha de Norman McLaren”).

[As películas de Cortázar podem-se ver na exposiçom Ler imaxes. O arquivo fotográfico de Julio Cortázar, na Igreja da Universidade e no Paço de Fonseca compostelanos, até o vindeiro Novembro.]




Huillet / Straub, nom reconciliados [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1250, 29-12-06 ao 11-01-07)

O cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub mantém-se, ao nosso pessar, invisível, tam invisível como, na imprensa espanhola, o recente passamento de Danièle. Sirva esta coluna como homenage à cineasta e como reivindicaçom do seu papel no binómio Huillet/Straub. As suas películas case sempre se mencionam como obras “de Straub” ou como muito “dos Straub”, ficando o nome de Huillet à sombra do do seu marido. Quiçá o próprio Straub tenha contribuído a esta situaçom, sendo el quem leva a voz cantante nas entrevistas, nas que sistematicamente fala em primeira persoa singular. (Por outra banda, talvez seria mais arrogante e paternalista apropriar-se da voz da co-autora, falar por ela, inclui-la no seu “eu”, num “nós” a umha soa voz.)

Huillet tivo um papel importante já na primeira película da parelha, Machorka-Muff (1962), figurando nos créditos como “Ajudante”. A partir de entom, os créditos sinalam categoricamente, tras o título da obra, umha autoria conjunta: “von Danièle Huillet und Jean-Marie Straub”, nesta orde, por muito que em ocasions, nas primeiras obras, apareza Straub como “director”. Haberá que esperar às novas películas do Straub viúvo para comprovar até que ponto a ausência de Huillet lhes poda afectar.

Huillet/Straub sempre reivindicárom o carácter político do seu cinema. E ainda que os contidos das suas películas nom sejam, as mais das vezes, explicitamente políticos, si estám feitas desde umha militância e posicionamento claramente políticos. “Toda película é umha obra política desde o momento em que todo é político”, poderá-se argumentar acertadamente. O que fam Huillet/Straub é lembrar-nos deste feito e do feito de que, em conseqüência, nom existem películas neutras, movimentos de cámara inocentes, textos inócuos. (E aí temos o furibundo ataque de Straub ao cinema de Rossellini, por exemplo.)

Nicht versöhnt (“Nom reconciliados”, 1965) quiçá seja a película mais directamente política da parelha, já desde o subtítulo, tirado de Brecht: “Onde reina a violência, o único recurso é a violência”. Polo demais, Huillet/Straub adoitam achegar-se oblicuamente ao contido político, reinterpretando e actualizando textos (a Antígona de Sófocles, os textos de Gasquet sobre Cézanne, umha tragédia de Hölderlin, novelas inacabadas de Brecht e Kafka, a música de Bach e Schönberg, prosas de Pavese, Fortini e Vittorini…) com um rigor formal intransigente. A tanxencialidade do achegamento político dos cineastas fica esplendidamente ilustrada na sua derradeira obra, Europa 2005 (2006) (podemos ve-la na Rede em YouTube), que consiste em duas únicas panorámicas, repetidas quatro vezes, sobre um transformador eléctrico. Como único comentário, duas frases impresas sobre a image: “Cámara de gas. Cadeira eléctrica”. É o subtítulo da película (“27 outubro”) o que nos remite aos feitos que se agacham tras umhas images aparentemente neutras: a morte de dous moços que, perseguidos pola polícia, se refugiaram neste transformador de Clichy-sous-Bois, acontecimento que provocou as conhecidas revoltas populares nos arrabaldes franceses.

Que pode ter de político a Chronik der Anna Magdalena Bach? perguntava-se um perplexo Godard. Com Huillet/Straub aprendimos a actualizar os textos, a ler entre linhas, a entender o peso das relacións sociais na música de Bach. Por se nom abondasse, Huillet/Straub preocuparom-se de dedicar a película ao Vietcong. Outra dedicatória, mais conflitiva para a intelectualidade bem-pensante europea, foi a de Moses und Aron (1975) “para Holger Meins” da Rote Armee Fraktion, morto na cadea após umha folga de fame. Este simples gesto serviu, umha vez mais, para possibilitar umha leitura actualizada e política da ópera do “anti-comunista” Schönberg.

Co galho do prémio especial que este ano o Festival de Venécia lhes concedeu a Huillet/Straub, aproveitando a estrea de Quei loro incontri (2006), Straub, estando Huillet enferma, enviou umhas declaraçons que provocarom certo escándalo na imprensa italiana e que no resto de Europa passárom completamente desapercebidas (a melhor das censuras é o nom reconhecimento do feito). Nelas, o cineasta, após afirmar que nom espera nada do prémio, a nom ser umha “pequena venganza contra as intrigas da corte”, justifica assi a sua ausência da cerimónia: “Nom poderia estar festivo num festival onde hai tanta polícia pública e privada buscando terroristas: eu som o terrorista, e digo-vos, parafraseando Franco Fortini: entanto exista o capitalismo imperialista americano, nunca haberá suficientes terroristas no mundo.” Todo isto acontecia em Setembro, no aniversário do ataque ao World Trade Center.




Quei loro incontri [PDF]

Alberte Pagán (ANT 1269, 24-30 maio 2007)

“Aqueles encontros.” Estas som as derradeiras palavras dos Diálogos com Leucó (1947) de Cesare Pavese que Danièle Huillet e Jean Marie Straub adaptam à pantalha por segunda vez em Quei loro incontri (2005). A primeira aproximaçom dos cineastas à obra de Pavese fora Dalla nube alla resistenza (1978), colecçom de seis dos “diálogos com Leucó” aos que engadiam, numha segunda parte diferenciada, umha adaptaçom da novela La luna e i faló (1947), tamém de Pavese. Quei loro incontri vém completar aquela película, formando um todo indivisível coa sua primeira parte.

O cinema de Huillet-Straub remite-nos à literatura, reconcília-nos coa palavra e, portanto, co pensamento. As personages nom actuam, apenas se movem (agás algum leve gesto, umha cabeça que se gira, umha mao que se apoia numha rocha, umha mirada que se ergue ao ceu). Só ficam as suas figuras incrustadas na natureza, o sol que vai e vem por entre as copas das árvores, o som do vento nas folhas, o canto dos regatos. E sobre esta natureza virge, a voz humana, que os cineastas tratam como música; um recitado pausado e cristalino, anti-realista e de grande sonoridade, que nom respeita as pausas sintáticas, que rompe a coerência dos sintagmas e que por momentos, devido à sua musicalidade, convertido em significante puro, se independiza do seu significado.

Mas nom nos enganemos: A derradeira película de Huillet-Straub reivindica tanto a sonoridade da palavra como o seu contido, obrigando-nos à reflexom. “Aqueles encontros” som os de deuses e humanos que estes acham de menos. Quei loro incontri converte em cinema os cinco derradeiros “diálogos” do livro de Pavese, nos que deuses e mortais conversam sobre a condiçom humana, sobre a morte e a imortalidade, sobre as esperanças e o destino. Os deuses envejam a capacidade de asombro dos humanos (“Nem sequer sabemos morrer”, di a hamadríade do terceiro diálogo), os seres humanos desesperam por nom dispor da imortalidade dos deuses. Mas chegará um dia, di Deméter no segundo diálogo, no que os humanos deixarám de necessitar os deuses. “E entom volveremos ser o que fomos: ar, água e terra.” Entanto os deuses buscam a companha dos seres humanos, os homes sobem à montanha em busca dos deuses, em busca de “aqueles encontros” que lhes proporcionavam, tanto a uns como a outros, o espírito e o sentimento que os diferênciam dos animais.

Quei loro incontri é umha adaptaçom literária modélica, desde o momento em que todo o texto original está contido na película; em certa maneira, no deixa de ser umha simples “leitura” (no sentido literal) da obra de Pavese. Lembremos aqui Operai, contadini (2001), adaptaçom de Huillet-Straub dos capítulos 44-47 de Donne di Messina (1949-1964), de Elio Vittorini, na que actores e actrices (recitadores, mais bem) lem directamente e sem miramentos o texto que suxeitam entre as maos, renunciando expressamente ao realismo e à verosimilitude da actuaçom. Mas nom por isso Quei loro incontri deixa de ser Cinema em estado puro. A película, por muito que exista em funçom do texto de Pavese, remite tanto ou mais ao universo cinematográfico, artístico e intelectual de Huillet-Straub. Nom temos mais que fixar-nos na composiçom dos planos (em todo o primeiro diálogo os recitadores mantenhem-se de costas à cámara), nos raros e portanto intensos movimentos de cámara (o terceiro diálogo comeza com panorámicas por entre a espesura do bosque), na riqueza sonora (já mencionamos a musicalidade do recitado: mencionemos tamém esses golpes de vento nas folhas, esse bater de assas que interrompe o diálogo, aquel corricar da água por riba dos sons da vila do epílogo) ou nos longos silêncios nos que a image, orfa da voz humana, adquire protagonismo indiscutível.

O epílogo é modélico. Pronunciada a frase do título ao remate dos diálogos, a cámara mantém-se fixa, durante case um minuto, sobre o silencioso actor. Tras o corte, temos um picado dum regato que está em sintonia coa paisage boscosa e intemporal da película. Mas algo cambiou: golpes e ruidos da actividade humana actual superponhem-se ao som da natureza. A cámara inícia umha panorámica vertical que descobre as casas e ruas dumha pequena vila na que o rego está encaixonado. Após umha breve pausa, a cámara continua o seu ascenso contrapicado até deixar atrás as vivendas, produto humano, e regressar à natureza, à montanha que se ergue no horizonte. Mas esta montanha, ao igual que o rego, está domesticada: uns repetidores descansam sobre a cima e, mais óbvio, um cable cruza o ceu e a pantalha por riba do outeiro. O espaço natural puro e atemporal dos diálogos, no que as personages (deuses e humanos) se integram sem fricçom, dá passo assi a umha natureza seqüestrada, domesticada e mercantilizada. A leitura mítica dos diálogos aplica-se, por meio deste plano final, aos seres humanos de hoje em dia que, apesar dos cámbios materiais, seguem a sofrir as mesmas dúvidas e medos e esperanças sobre os que meditam os deuses de Pavese. Os seres humanos de hoje em dia seguem a buscar nas montanhas aqueles encontros cos deuses do passado.

[Quei loro incontri projecta-se os dias 21 e 22 de maio no CGAI da Corunha.]


[Podedes ver um fragmento aqui]




Vinte-e-cinco por vinte-e-quatro [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 14-20 fevereiro 2008)

Veneno puro (Villaverde) é um vídeo narrativo que, ademais de aludir ao Arrebato de Zulueta, cita literalmente a King Kong (a película que a protagonista ve no seu televisor). Blanca noche (Xosé Búa) fai outro tanto com Citizen Kane (Welles): a pantalha de vídeo reincorpora a obra cinematográfica, ao tempo que a reproduce num televisor debuxado que funciona como sub-pantalha; a personage de Kane observa-se nel antes de contemplar a imaxe videográfica criada por Búa (o cinema no vídeo, o vídeo no cinema). Durme Rainer, xa estás morto (Segade) projecta um molho de fragmentos de Fassbinder sobre diversas superfícies, reprimindo a sua textura cinematográfica, apropriando-os para a estética do vídeo. Antes dos créditos vemos umhas tiras de celuloide abaneando no ar. 25×24 (Caeiro), que é umha variaçom sobre Apocalypse Now (Coppola), da que toma a música e o rosto do protagonista, verbaliza esta dicotomia entre vídeo e celuloide: “Quero abandonar o cine e dedicar-me ao vídeo”. A sua narraçom está influída, tamém, por Arrebato.

Falamos do vídeo galego de 1984-1994. E queremos chamar-lhe “cinema”. Chamemos “cinema” a qualquer obra audiovisual, independentemente do suporte. Umha escultura é umha escultura, esteja feita em madeira, em pedra ou em metal. Reconhecemos que os diferentes materiais obrigam a métodos de trabalho diferentes e a resultados estéticos diferentes. Mas nom podemos botar da história do cinema obras como INLAND EMPIRE (Lynch) só por estar realizada em vídeo nom profissional. Ou as Histoire(s) du cinéma de Godard (celuloide apropriado polo vídeo).

O vídeo galego dos 80 é o melhor cinema do que dispom Galiza, tanto em qualidade como em cantidade. As histórias do cinema galego nom o mencionam: o Diccionario do cine en Galicia 1896-2000 argumenta a ausência explicando que os coordenadores só se centrárom “no ámbito do cine profissional”. O cinema como industria. Mas o livro nom está editado pola Conselharia de Indústria, senom pola de Cultura. Se entendemos o cinema como arte e como cultura, a vídeo-criaçom galega tem que formar parte necessariamente da sua história.

O título do vídeo de Caeiro é revelador. 25×24. Vinte-e cinco fotogramas por segundo (vídeo) en substituiçom de vinte-e-quatro fotogramas por segundo (celuloide). O vídeo como alternativa ao celuloide. O vídeo como continuación do celuloide. Apesar de recuperar agora estas obras no ámbito do museu, a vídeo-criaçom galega nom foi pensada para a galeria de arte. Tanto o contido dos vídeos como o currículo dos videastas revelam umha cinefília enfermiza (assi como certo desconhecimento do evoluir da vídeo-arte). A cámara de vídeo permitiu fazer “cinema” a gente que nom tinha acesso á indústria cinematográfica. Moitos ensaiárom com os 8mm e os 16mm antes de se passarem ao vídeo, sublinhando umha continuidade entre celuloide e cinta magnética. Mesmo aqueles mais apartados das referências cinéfilas e aparentemente mais achegados ao mundo das artes plásticas (Pardo) procediam dumha prática em celuloide. Por dar-lhe a volta ao argumento: se fazemos “vídeo-criaçom” mas em suporte cinematográfico, estamos a fazer “arte” para umha galeria ou “cinema” para umha sala? Isto leva-nos a um terreno esbaradizo para certos historiadores que inconscientemente deixam de lado, na sua conceiçom do cinema, todas as obras experimentais, nom industriais e nom distribuidas em salas comerciais.

Numeralia (Lozano) ilustra à perfeiçom a indefiniçom da fronteira entre ambos suportes: este vídeo é umha réplica de certo cinema experimental pintado directamente sobre a tira de celuloide (McLaren). O problema que surge ante Numeralia é que a técnica nunca poderá ser a mesma, porque nom podemos “pintar” directamente a cinta magnética sem estragá-la. O que fai Lozano é “imitar” com meios diferentes, “recriar” em suporte videográfico umha obra cinematográfica. 365 (Abad) poderia-se inscrever tamém nesta deriva experimental nom-narrativa.

Outros vídeos tomam como referente a televisom (Denantes, Merenda de nejros), mesmo imitando as pausas publicitárias. Mas quiçá seja Reixa, o artista menos visual da mostra, quem se integre com maior soltura na história da vídeo-arte. Os seus vídeos nacem coa vontade de documentar os seus recitais, intervençons e representaçons, longe de narratividades e experimentalismos cinematográficos, e perto de pioneiros do vídeo como Acconci, Nauman ou Graham, cuja obra audiovisual responde melhor ao epíteto “vídeos de artistas” que ao de “vídeo-arte”.

(Agradece-se a recuperaçom de toda esta obra no CGAC. Mas hai dous aspectos da exposiçom que resultam sumamente irritantes: primeiro, a má qualidade das cópias —e nom falo só da falta de definiçom da image, senom do pésimo transvase a DVD que provoca saltos no movimento insuportáveis para a vista—; e, segundo, a ausência de auriculares que nos aílhem e, por que nom, nos permitam escoitar a banda sonora do vídeo em qüestom: tal e como está montada, ouvimos o som dumha dúcia de obras a um tempo; vemos Parpadeo coa música de 24×25, nom nos inteiramos do que nos contam em Durme Rainer… e tudo para rematar cumha dor de cabeça mais própria dumha barraca de feira que dum museu.)

[Ficcións analóxicas. O vídeo na Galicia dos 80. No CGAC de Compostela até finais de abril.]




Passeios e polifonias: París #1 [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 20-26 novembro 2008)

[ver París #1]

Oliver Laxe naceu em Paris, cidade à que emigraram seus pais. É esta circunstância a que explica o título da sua película París #1 (2007), rodada en Amil, Mugia, Os Ancares e Ourense. Esta dicotomia entre a cidade (París, destino migratório) e o campo (a Galiza rural, orige migratória) tem a sua contrapartida audiovisual na filmografia de Laxe. Em Y las chimeneas decidieron escapar (Londres, 2006) a urbe e a industrializaçom imiscuem-se tangencialmente nas tomas rurais: torretas de alta tensom sunlinham a paisage, altos edifícios asomam tras os lameiros, sinistras gruas trabalham convertendo descampados em entulho. Quando a cámara se adentra na cidade, fai-no para registrar os reflexos nas fachadas de cristal dos edifícios, aproveitando as formas geométricas arquitectónicas para compor images construtivistas e abstractas. Na banda sonora, umha guitarra eléctrica distorsionada remete de igual jeito a umha tecnologia (e estilo musical) de orige urbana. Suena la trompeta, ahora veo otra cara (Tánger, 2007) centra-se de igual modo nas paisages desoladas dos descampados que arroupam as cidades, essa terra de ninguém entre o rural e o urbano, entre o ordenado e o silvestre.

As images de París #1 som essencialmente rurais. A urbe (adorminhada) só aparece na breve seqüência dumha rodage cinematográfica. Merendas campestres, romarias, pojas e cenas de caça rematam coa carreira dum cam por um bosque queimado, um novo espaço devastado que perde por momentos a sua característica natural para acabar asemelhando-se aos descampados semi-urbanos das duas primeiras películas citadas. A urbe está presente no título da película e no helicóptero contra-incêndios cujo bater de assas dá início à peça.

Apesar de que Laxe chama à sua obra “ensaio”, o seu espírito é mais poético que ensaístico. París #1 forma parte dumha trilogia que tem como título genérico “Paseos e polifonías por unha Galicia contemporánea”. Som estes “passeios” líricos e contemplativos, nom narrativos, os que lhe confirem alento poético às images, fazendo-as devedoras do “cinema puro” ou “cine-poemas” das vanguardas europeias dos anos vinte e do cinema lírico dos anos sessenta do século passado. A cámara em mao, o tremor do fotograma, os saltos na image, a textura granulosa e os desenfoques som rasgos de estilo, bem conhecidos e explorados na tradiçom experimental do cinema, que Laxe utiliza sabiamente, conjugando singeleza com efectividade sugestiva. O branco e negro sujo e granuloso sugire paisages ancestrais e irreais, como aquelas recolhidas polos pioneiros do cinema. A figura humana, em forma de retrato, insire-se sem fisuras sobre este fundo rural ou semi-urbano.

A banda sonora acode a umha mancheia de sons para criar umha “polifonia” que sugire por si mesma, que cobra vida própria, independente das images. Tanto os ruídos como os silêncios estám usados de maneira expressiva: o som do helicóptero, o coitelo cortando o pam, as vozes e conversas que podem estar sincronizadas ou nom, ruídos e palavras que venhem e vam, silêncios que potenciam a carga simbólica da image…

O cinema de Laxe, recuperado para o cinema galego graças à política de subvençons, é um sopro de ar fresco no nosso cativo panorama cinematográfico, demasiado ancorado em narraçons literárias e pretensons industriais de escaso rendemento artístico.

[París #1 projectou-se na secçom Panorama Galiza de Cineuropa, em Novembro de 2008, Compostela.]




O cinema manufacturado de Antoni Pinent [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 15-21 janeiro 2009)

Antoni Pinent no CGAI, 2008

Antoni Pinent passou polo CGAI corunhês em Dezembro para impartir um curso de “Cinema sem cámara”, ocasiom que aproveitou para mostrar umha dezena das suas películas manufacturadas, realizadas nos últimos dez anos. Ocasiom única, por outra banda, porque Pinent é um tanto remisso a projectar a sua obra, até agora só vista fragmentariamente em festivais e mesmo baixo seudónimo. Por que esta remissom, quando os prémios à sua última película, Film Quartet / Polyframe (2006-2008), no festival de Lucca e na Semana de Cinema Experimental de Madrid, avalam o seu labor como cineasta? Porque até agora Pinent ainda se considerava um criador imaturo; porque esta perpétua busca da sua própria voz ou afám de perfeiçom lhe fai montar e remontar e refazer continuamente as suas películas, nunca satisfeito co resultado. De feito, as obras que pudemos ver no CGAI nom som definitivas: o próprio autor as considera como obras em curso, sempre vivas e cambiantes. (Como exemplo: a versom de Film Quartet premiada em Lucca difere da montage oferecida na Corunha.)

Todas agás umha: Gioconda/Film (1999), que conta co privilégio de encontrar-se depositada nos selectivos Anthology Film Archives de New York, cofundados por Jonas Mekas, é umha película acabada e, devido à sua própria estrutura, nom modificável. Para realizá-la, Pinent projectou umha image do quadro de Leonardo, a tamanho real, sobre umha série de tiras de película virge de 35mm, que ocupariam o espaço real da pintura, para logo colar as tiras seguindo umha orde descendente e de esquerda a direita. O resultado na pantalha é umha sucessom abstracta de cores, texturas e mesmo sons, pois ao cobrir com images o espaço reservado para a banda sonora produze-se durante a projecçom um som sintético duro e repetitivo (de aí que, cum toque de humor que tamém assoma noutras obras suas, Pinent remate a fita co seguinte crédito: “image e som: Leonardo da Vinci”).

O procedimento é mui similar ao de Motion Picture (La Sortie des ouvriers de l’usine Lumière à Lyon) (1984), do cineasta austríaco Peter Tscherkassky, quem imprime umha image da película dos Lumière citada no título sobre tiras de película de 16mm. Pinent confessa que quando fijo a sua Gioconda desconhecia a obra de Tscherkassky. Contodo, as diferências som notáveis: 35mm (que permitem um maior segmento do quadro em cada fotograma) contra 16mm (que, pola contra, permitem umha maior duraçom para o mesmo espaço visual); cor contra branco e negro; umha icona da pintura contra umha icona do cinema; som contra silêncio… Gioconda/Film é umha versom temporal, dinámica e sonora dumha pintura estática e muda; é umha leitura sintetizada (de arriba a abaixo, de esquerda a direita); é um microfilme que serve como documento no caso de desapariçom da obra original.

A obra de Pinent flutua entre a admiraçom e imitaçom dos grandes mestres do cinema (experimental) e a vontade de ruptura com eles; avoga pola extinçom dos “velhos dinossáurios” “para deixar às novas geraçons mais espaço de movimento, sem carregar coa lousa e o deslumbramento dos seus nomes”, segundo as suas próprias palavras, mas nom pode evitar adicar Música visual en vertical (1999-2000) ao cineasta e teórico Jean Mitry ou comemorar o 50º aniversário do clássico do cinema de apropriaçom A Movie (Bruce Conner, 1958) com Film Quartet / Polyframe. As primeiras películas de Pinent som simples, claras e singelas: Mi primer 35mm (1995-1997) ironiza sobre o seu próprio título, ao nom ser mais que umha tira de película de 8mm colada sobre outra transparente de 35mm; 20 dedos é umha compilaçom das pegadas digitais do autor, imprimidas no interior do fotograma e tingidas de cores cálidas; Puzzle 750 (1999-2000) está construída coas siluetas que as peças dum quebra-cabeças deixam no celuloide após aspergi-las com pintura; e Música visual en vertical, que reproduz umha partitura musical colada ao longo da película, cria a sua iconografia e ritmo a partir do pentagrama e a elegante forma das notas que dançam na pantalha. O seu cinema complica-se com Film Quartet, na que a singeleza minimalista dá passo a um elaborado trabalho de investigaçom das capacidades do fotograma: este deixa de ser a unidade mínima de articulaçom para converter-se num espaço com infinitas possibilidades de fragmentaçom e colage. Nel, o autor pega fotogramas fragmentados de películas que vam da industrial Singing in the Rain à experimental Wavelength (Michael Snow, 1967). O resultado sonoro e visual, barroco e agressivo, nom é para qualquer.




As constantes vitais de Barbara Hammer [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 5-11 novembro 2009)

A cineasta estadounidense Barbara Hammer passou polo CGAI corunhês para apresentar umha breve mostra da sua ingente filmografia, emarcada no ciclo Cinema e Ciência. A septuagenária artista começou a facer cinema, há já quarenta anos, inspirada pola obra da matriarca do cinema experimental estadounidense, Maya Deren, e por James Sibley Watson, o autor da temperá Lot in Sodom (1933). Da primeira a atrai a sua condiçom de mulher artista num mundo masculino; do segundo a sua (intuída) sensibilidade homosexual. Watson será o protagonista do documentário Dr. Watson’s X-Rays (1990) e as suas cinerradiografias constituem a base da fermosa Sanctus (1990, projectada na Corunha), na que Hammer se deleita ante a beleza e espiritualidade do interior do corpo humano.

Hammer nom é umha desconhecida para o público galego. Na última década foi deixando breves pegadas nos museus, cinematecas e centros sociais do país. No ciclo Introduçom aos clásicos do cinema experimental (1999) pudemos ver a pós-estruturalista Bent Time (1983). Optic Nerve (1985) tivo cabida no ciclo Em primeira persoa. Relaçons do sujeito na intimidade (CGAC, 2006). Dyketactics (1974) e Superdyke (1975), duas obras que reivindicam a liberdade e os direitos do colectivo lésbico, formárom parte do ciclo Batalha dos géneros no CGAC em 2007. No mesmo ano History Lessons (2000) passou polo CGAI no ciclo Cine-ensaio: A forma que pensa e a mesma película pudo-se ver no C. S. Atreu da Corunha um ano despois. Nela a autora recicla material pré-existente para recuperar a história oculta do lesbianismo. E em 2009 o CGAC incluiu Women I Love (1976) na exposiçom Em todas as partes: políticas da diversidade sexual na arte. Women I Love é um retrato múltiplo e erótico de mulheres intercalado com images de frutos e verduras nos que se busca o símil vaginal.

(De todas estas projecçons só as que tivérom lugar no CGAI respeitárom o formato cinematográfico. Nom deixa de ser triste, ainda que sintomático dos tempos, que num museu como o CGAC tenhamos que ver Women I Love de pé ante um pequeno monitor. Umha das obras de Hammer, Endangered [1988], reflexiona precisamente sobre a figura da e do cineasta experimental como um ser “em perigo de extinçom”: o celuloide semelha ter desaparecido dos museus há já tempo.)

Esta “popularidade” dumha cineasta experimental pode surprender mas tem umha explicaçom: Umha das vertentes do seu cinema é claramente militante (ainda que a autora prefira o termo “persoal”) e reivindicativa da liberdade homosexual, adubiada com explícitas images sexuais (coitos, masturbaçons, vaginas abertas, menstruaçons) nas que a própria cineasta participa sem pudor. Esta tendência presta-se para ilustrar exposiçons como as arriba citadas (dentro do mundo oficial da arte) ou para acompanhar palestras de colectivos feministas e/ou marginais. Nela tem cabida a celebraçom da vida, do tacto e da sensualidade assi como a voz humana, que ao longo dos anos foi cobrando importância até o ponto de erigir-se em cerne das suas últimas películas, que se achegam perigosamente ao documentário íntimo, em primeira persoa, mais convencional. Neste senso a vida confunde-se coa obra e a sua juvenil presença na Corunha, apresentando a sua de momento última película, A Horse is not a Metaphor (2008), premiada na Berlinale deste ano, nom se pode desligar do contido da obra, na que a autora se autorretrata, consumida e avelhentada, durante um tratamento de quimioterápia. A sua presença e vitalidade actual é um colofom necessário para entender a película como um canto à vida, mostra palpável da superaçom do cancro de ovários que a artista padeceu.

Mas a mim interessa-me mais essa outra vertente da sua filmografia, aquela directamente experimental, de grande beleza plástica e inquietudes estruturais (Bent Time), materialistas (Optic Nerve, projectada na Corunha) e paisagísticas (Pond and Waterfall, 1982). O seu barroquismo e elaboraçom formal e as suas intensas cores nom agacham, porén, a image figurativa, e em certas peças aparentemente abstractas (a citada Optic Nerve, por exemplo) coam-se planos de persoas (a avoa enferma, neste caso) que nos levam às preocupaçons das suas obras mais narrativas: a vida (e a sua contrapartida, a morte), a carne, o tacto, a enfermidade. A avoa doente de Optic Nerve nom deixa de ter similitudes coa carne hospitalizada da própria autora em A Horse is not a Metaphor. E entom entendemos: Hammer nom filma a enfermidade cumha atitude morbosa senom com amor e como reafirmaçom da vida. Quando recupera as radiografias de Watson para Sanctus fai-no para sublinhar o aspecto espiritual do corpo humano; de aí que repita esses planos em A Horse… e introduza umha dança cum esqueleto, ao tempo macabra e vital, na última obra que vimos na Corunha, Vital Signs (1991), é dizer, “constantes vitais”.




Éxtases e arrebatos do cinema español [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 14-20 janeiro 2010)

O cinema experimental español está de parabéns. Mudam os tempos, mudam as apreciaçons críticas e mudam os médios de divulgaçom, e o resultado de tanta mudança é o excelente DVD duplo que vém de publicar Cameo: Del éxtasis al arrebato. Un recorrido por el cine experimental español. Com el sai à luz, por vez primeira, umha boa secçom do cinema alternativo español que durante décadas se mantivo oculto ao público e mesmo às e aos especialistas.

A cuidada ediçom de Cameo inclue um profusamente ilustrado livro com textos em español e inglês (que reflictem a ambiçom internacional do projecto) e dous discos que recolhem versons revisadas e restauradas de 31 obras, desde a Film experiencia I do Equipo 57 (1957) até o Copy Scream de Oriol Sánchez (2007), desde os éxtases do pioneiro e figura senlheira Val del Omar (Fuego en Castilla, 1960) até os arrebatos de Zulueta (A MAL GAM A, 1976), desde as pequenas peças conceptuais de Carles Santos (1967) até a pintura directa sobre celuloide de Sistiaga (Impresiones en la alta atmósfera, 1989). Um total de 225 minutos do melhor cinema possível.

Se algumhas das fitas tivérom certa vida pública, incluídas projecçons recentes nas filmotecas peninsulares, a soa presença doutras películas até agora invisíveis bem justificam a ediçom do DVD. É o caso de Arriluce (Rebolledo, 1975) ou o de Brutal Ardour (Huerga, 1978), duas interesantes aportaçons à tradiçom estrutural, materialista, formal ou conceptual (obras nas que a estrutura e a organizaçom formal primam sobre o “contido”).

Arriluce compom-se dumha série de 13 planos repetida 5 vezes. Os doce primeiros, ordenados de maior a menor densidade de matéria no enquadre, estám acompanhados dumha banda sonora específica e a sua duraçom aumenta progressivamente. O derradeiro, plano do mar que nos lembra a image final de Wavelength (Michael Snow, 1967), é mudo e a sua longitude reduce-se de cada vez. Neste senso Arriluce nom se diferéncia tanto das propostas formais e minimalistas de autores como o citado Snow, Hollis Frampton ou do Moment (1972) de Bill Brand. O que resulta novidosa é a utilizaçom do som (recitado dum rosário, transmissom dum partido de fútbol, novas sobre a execuçom de activistas anti-franquistas…) que nos transmite umha lúgubre image da Espanha tardo-franquista e que resgata a obra do ámbito estritamente formal para adentrá-la num cinema de conotaçons políticas e sociais.

Em Brutal Ardour acontece um desfasamento similar, ainda que neste caso o transvase fai-se desde o minimalismo ao romanticismo. Se no Reino Unido surgia, nos anos 80, o movimento do “Novo Romanticismo” como reacçom à frialdade intelectual do cinema materialista, Huerga consegue transmitir na sua película um forte sentimento romántico e melancólico sem renunciar à radicalidade formal. O cineasta manipula umha dúzia de planos, de estética prerrafaelista e simbólica, adentrando-se no quadro, deixando que este salte no projector, ralentizando o movimento e cobrindo as images cumha pátina dourada que realça o significante sobre o significado. Esta exploraçom formal da textura e do grao da image tem um conhecido antecedente em Tom Tom the Piper’s Son (Ken Jacobs, 1971), mas a calidez e a poesia que Huerga acada estám ausentes na obra de Jacobs. A beleza de Brutal Ardour vém dada tamém polos resíduos narrativos que o cineasta conserva: umha mulher e um home passeiam, beixam-se, separam-se, el jaz deitado no chao (morto?)… Nada mais acontece. Os planos repetem-se, alongam-se, desintegram-se. Mas a estética pictórica, os vestidos das personages e mesmo o anho que ao final entra em cena remitem a umha e mil histórias románticas que formam parte do nosso subconsciente colectivo.

Del éxtasis al arrebato obriga-nos a revisar a história do cinema espanhol, algo que sempre resulta positivo. A publicaçom é fruto dumha nova geraçom crítica inconforme coa história oficial e permitirá que novos públicos se acheguem a estes tesouros ocultos para continuar a indagar na rica e variada vanguarda espanhola. A selecçom oferecida, afortunadamente parcial, permite ademais comprovar a continuidade das práticas experimentais no cinema: este cinema, feito em celuloide, nom é cousa do passado, nom está restringido aos anos sessenta e setenta, senom que continua vivo e em boa saúde mesmo numha época na que o vídeo se impom como alternativa mais asequível.

Apesar do coidado posto na digitalizaçom das películas alguns erros estragam o desfrute: nalgum caso o quadro salta na pantalha e noutros os créditos ficam fora de campo (se o destino do DVD vai ser o salom doméstico, por que nom reducir a image para evitar que o televisor “coma” as marges?). E de duas breves peças, as de Aguirre e Sistiaga, só podemos ver, incomprensivelmente, um escaso fragmento. Tamém peca a escolha dum excessivo escoramento cara a cineastas catalás. É umha pena que a Lluvia de Granell nom conseguira entrar na selecçom (ficando assi Galiza fora do mapa), ainda que si forme parte do programa itinerante e intercontinental, mais amplo, do que a ediçom de Cameo serve como catálogo.




Os Screen Tests de Warhol [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 4-10 marzo 2010)

Entre 1964 e 1966 Andy Warhol filmou perto de 500 retratos das persoas que acudiam a visitá-lo no seu estúdio, a Factory. Umhas eram conhecidas e outras desconhecidas, umhas famosas e outras anónimas. Cada um destes retratos consistia num rolo completo de 100 pés, rodado à velocidade do cinema sonoro (é dizer, a 24 fotogramas por segundo) mas projectável à velocidade do cinema mudo (a 16 fps, ou seja, cumha ligeira ralentizaçom do movimento), o que quer dizer que as e os retratados tinham que ficar imóveis diante da cámara durante algo menos de tres minutos, apesar de que a duraçom da image projectada se alongasse até 4 minutos e meio. Warhol denominou estes retratos “screen tests”, “provas de pantalha” ou “cinematográficas” ao estilo de Hollywood, ainda que nunca funcionárom como ferramentas para comprovar a fotogénia dos retratados para possíveis futuras colaboraçons senom que constituiam um fim em si mesmos, auténticos retratos independentes. De buscar-lhe umha aplicaçom prática o primeiro que nos vém à mente é o seu uso “decorativo” nos Exploding Plastic Inevitable, pioneiros espectáculos multimédia criados polo cineasta.

Em 2006 Callie Angell publicou a primeira parte do seu estudo sobre o cineasta, Andy Warhol Screen Tests. The Films of Andy Warhol. Cataloque Raisonné, o melhor livro que existe sobre Warhol e quiçá um dos melhores livros de cinema em geral. Nel cataloga minuciosamente as cinco centenas de retratos, cada um deles ilustrado co seu correspondente fotograma e acompanhado de informaçom sobre a persoa retratada, ao tempo que desenterra dos arquivos séries de screen tests desconhecidas previamente, como Six Months (na que fixo um retrato diário de Philip Fagan para registrar o passo do tempo sobre o seu rosto). Warhol adoitava agrupar os screen tests em séries, abertas e flexíveis, chamadas The Thirteen Most Beautiful Boys, The Thirteen Most Beautiful Women ou 50 Fantastics and 50 Personalities.

Imitando estas primeiras colecçons The Andy Warhol Museum vém de publicar 13 Most Beautiful… Songs for Andy Warhol’s Screen Tests, um excelente DVD que recolhe trece retratos significativos, de Lou Reed a Dennis Hopper, de Nico a Jane Holzer, de Edie Sedgwick (talvez o máis famoso de todos) a Paul America (protagonista de My Hustler). Neles podemo-nos asomar à evoluçom do cinema de Warhol, do estatismo ao dinamismo, da mirada impassível á mirada inqueda. No primeiro e intenso retrato do disco Ann Buchanan mantém-se praticamente imóvel, mesmo sem pestanexar, até que as bágoas começam a fluir sem control, mentres que no de Richard Rheem a cámara se move ante umha personage imóvel, achegando-se e afastando-se, desenfocando a image ou enquadrando um fragmento baleiro de parede; a cámara adquire assi vida própria e reivindica o seu protagonismo, deixando a Rheem em segundo plano.

Ao igual que a ontogénese reproduce a filogénese, as películas de Warhol reproducem a evoluçom do cinema. E os screen tests nom deixam de ser umha image dessa evoluçom persoal do cineasta. Se os primeiros screen tests aspiravam a diluir a fronteira entre fotografia e cinema (veja-se o retrato de Ann Buchanan), co passo do tempo Warhol permitiu que as suas personages “actuassem” diante da cámara, movendo-se na cadeira, às vezes saindo-se do quadro (caso de Freddy Herko ou Nico), bebendo um refresco (Reed) ou mesmo lavando os chavelhos (Holzer).

Os retratos incluídos neste DVD pode-sem ver na sua versom original (é dizer, sem som) ou cum acompanhamento musical criado expressamente para a ocasiom por Wareham e Philips, dous ex-membros do grupo Luna, que componhem umhas cançons suaves e psicodélicas, ao estilo da Velvet Underground, ainda que em dous momentos acudam a temas alheos, um de Bob Dylan, escrito para Nico, para ilustrar o retrato desta última, e um tema escuro da Velvet Underground para acompanhar as images de Reed. A música e a fermosa composiçom das images fam que a hora de duraçom do disco nos saiba a pouco, o que quiçá indique que a obra de Warhol, ainda por descobrir, nom é um mero experimento conceptual do passado senom que é algo perfectamente desfrutável nos tempos que correm.

Existem várias ediçons em DVD do cinema de Warhol pero esta é a primeira publicaçom “oficial”. Os italianos RaroVideo tenhem editado umha manchea de películas mas, por desgraça, cheas de erros e incongruências (como por exemplo transferir as películas mudas a umha velocidade de 24fps, co que se perde essa aura lánguida e misteriosa producida pola ralentizaçom). The Andy Warhol Museum nom só respeita o passo de projecçom, senom que se preocupa de que este seja aos 16fps originais (dando umha duraçom de 4 minutos e meio) e nom aos 18fps (4 minutos) que permitem os projectores actuais. Só nos fica esperar que esta seja a primeira dumha longa série de publicaçons do cinema de Warhol.




Guerrilheiros do cinema, delinquentes da arte [PDF]

Alberte Pagán (ANT, 24-30 junho 2010)

Entre o 3 e o 6 de junho celebrárom-se no antigo cárcere provincial da Corunha dous acontecimentos simultáneos: por umha banda tivo lugar a (S8) 1ª Mostra de Cinema Periférico, que nos descobriu outras maneiras de fazer cinema e outros formatos de criaçom; e pola outra abriu-se à cidadania esse tétrico lugar de repressom. Nom sei qual dos dous acontecimentos foi mais importante, do mesmo modo que nom sei que porcentage das e dos visitantes entravam no recinto atraídos mais polo edifício, polo continente, que polo contido do festival. Abondava escoitar as conversas nos corredores para decatarmo-nos do numerosa que era a gente que conhecia o cárcere por dentro bem como prisioneiros bem como parentes das persoas detidas. Ali foi executado o guerrilheiro Foucellas e ali estivérom detidos e detidas, décadas despois, militantes do EGPGC. A relaçom entre o continente e o contido adquiriu matices irónicos durante a projecçom dumha retrospectiva do artista e militante antifascista Eugenio Granell quando soubemos que o seu irmao Mario estivera encarcerado ali mesmo. A instalaçom Cela 11, de Ánxela Caramés e Ramón Santos, dava conta do lúgubre passado do cárcere.

A mostra pudo parecer a primeira vista pouco compacta e em excesso subjectiva. Mas assi tinha que ser: nom se tratava tanto de fazer um repasso histórico como umha primeira sondage que permitisse albiscar a riqueça cinematográfica que se agocha tras os formatos e os géneros comerciais. A variedade de contidos ficou reflectida na variedade de projectores: o 8mm compartia espaço co súper 8 (que lhe dá nome à mostra), co 16mm e co 35mm. E a todo isto há que engadir os formatos betacam e DVD para as peças criadas em vídeo ou para aquelas feitas em celuloide mas que por problemas de distribuiçom ou conservaçom nom pudérom ser projectadas no formato original (como foi o caso dos súper 8 de Iván Zulueta).

Assi, a mostra começou coa retrospectiva de Granell, projectando-se por primeira vez as suas películas pintadas no seu formato original, um humilde 8mm, e rematou cumha monumental projecçom em 35mm, num dos pátios, da impresionante Film Ist. a Girl & a Gun, do austríaco Gustav Deutsch, cujo letreiro final (“continuará”) serviu de anúncio para a mostra do vindeiro ano (esperemos que as leis do mercado e da política nom o impidam). Polo meio, e co ruído dos projectores sempre presente, umha divertida sessom dedicada ao súper 8 (com David Domingo) e obras em 16mm como a recuperada Inxilio de Trinidad Aguirre.

Mas o cinema tamém se expandiu no antigo cárcere, rompendo a tradicional relaçom entre público e pantalha. Por um lado estavam as instalaçons de María Cañas, a já mencionada Cela 11 e as Derrotas de Xurxo Chirro, descartes a cinco pantalhas dumha obra em curso que, baixo o título de Vikingland, está destinada a converter-se num referente do audiovisual galego. Por outro, actuaçons em 16mm como Pie Pellicane Jesu Dominae, do estadounidense Bruce McClure, umha obra feita a reboque das Nervous System Performances de Ken Jacobs na que a image se produce em presente na pantalha (é dizer, nom existe umha película que recolha o que os nossos olhos vem) por meio da utilizaçom de tres projectores manipulados: a variaçom de foco, intensidade da luz e velocidade de projecçom, assi como a utilizaçom de destelos, provocárom na pantalha umhas images fantasmagóricas e psicodélicas que hipnotizárom ao público. No mesmo pátio pudemos desfrutar do humor e irreverência de Trash entre amigos: utilizando como base a hilarante (em contra da sua intençom) El ataque de los muertos sin ojos, os comentários em directo da equipa de Trash entre amigos potenciavam o humor latente da película de Amando de Ossorio. Este tipo de intervençom é algo que já fazia, com bastante melhores resultados, Ernesto Díaz-Noriega, ao que se lhe dedicou umha ampla restrospectiva. Manuscrito encontrado en la Zarazwela é o Nosferatu de Murnau sonorizado por Noriega. Os diálogos convertem a película de terror numha simpática crónica da mal chamada Transiçom española. As sonorizaçons de Noriega bebem do espírito situacionista do René Vienet de La dialectique peut-elle casser des briques, película de artes marciais à que o autor engade, neste caso por meio de legendas, cómicos diálogos de contido marxista revolucionário.

Todas estas propostas servírom para oferecer umha visom desse outro cinema que se fixo e se está a fazer polo mundo e por Galiza, e tamém serviu de ponto de encontro para todos os que se saltam as normas, guerrilheiros do cinema como Antoni Padrós ou delinquentes da arte como María Cañas. Mas o que quiçá um mais agradeza seja a recuperaçom e nalgum caso estrea de obras galegas até agora completamente desconhecidas. Após a Mostra de Cinema Periférico um nom pode pensar no cinema galego sem lembrar a desesperada Inxilio ou a intensa Emética (Pedro Comesaña) ou a irónica Represión (Juan Cuesta) ou a sonorizaçom dum fragmento do Acorazado Potemkim (Suso Montero) ou as já citadas intervençons de Díaz-Noriega. Delas desfrutamos como público. Agora comeza a hora de distribui-las e reivindicá-las para essa sempre esquecediça história do cinema galego.

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